quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O futuro do jornalismo digital. Entrevista com Alan Rusbridger (The Guardian)

setembro 16, 2010
Portal EcoDebate

Rusbridger dirige o prestigioso jornal britânico The Guardian, que conta com o segundo site de fala inglesa mais visitado do mundo entre os jornais de qualidade. Ele sempre está à frente de seu tempo, um visionário, um viciado em novas tecnologias. Ele afirma que o iPad e os aplicativos do iPhone são grandes passos na revolução digital das mídias.


Alan Rusbridger teve, há um ano, em suas mãos uma informação que não podia publicar. Referia-se a uma empresa petrolífera. Estava amarrado de pés e mãos por uma ordem judicial. Assim que pôde, pôs uma mensagem em seu Twitter – rede social de mensagens curtas – que, lembra, dizia algo como: “Desculpem, não podemos publicar a história de uma companhia que eu não posso nomear por razões que não posso dizer”.

Rusbridger conta que, em questão de 24 horas, os usuários do Twitter se encarregaram de desvendar de que companhia se tratava, quais eram os documentos comprometedores e o que impediu o jornal britânico de publicar a reportagem.

A bola se tornou tão grande que a história acabou estourando, e foram revelados os abusos ambientais e contra a saúde em que a empresa petrolífera Trafigura da Costa do Marfim havia incorrido.

Essa é a força da revolução digital. Estas são as vantagens das novas ferramentas. Quem afirma com entusiasmo é Alan Rusbridger, diretor do lendário jornal britânico The Guardian, um jornalista radicalmente convencido de que o melhor ainda está para vir, de que as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias nos levarão a um melhor jornalismo.

O site do seu jornal, guardian.co.uk, é o segundo mais importante do mundo dentre os jornais de qualidade de fala inglesa, atrás do The New York Times. Afirma ter 35 milhões de usuários únicos, um terço deles norte-americanos. O velho jornal de Manchester, que nasceu em 1821, é hoje referência da esquerda que mora do outro lado do Atlântico.

Rusbridger se senta em uma cadeira perto da enorme janela que ilumina o seu escritório. Seu cabelo está um pouco bagunçado, não usa gravata, não aparenta ter nem de longe seus 56 anos de idade. Dá a impressão de ser um homem sereno. Faz dez minutos de ioga todas as manhãs e toca piano e clarinete. Além disso, é um autêntico friki, no sentido mais tecnológico do termo, um autêntico viciado nos dispositivos da nova geração. A primeira coisa que ele fez foi pegar o gravador digital com o qual esta entrevista foi gravado e observá-lo atentamente. Virou-o, passou as mãos. “Hum, deve ser um modelo muito recente”, reflete.

“O Twitter é a ferramenta jornalística mais poderosa que apareceu nos últimos… hum… dez anos”, afirma, depois de vacilar e pensar bem se são dez, quinze ou vinte anos. Ele fala olhando para as águas do canal que passa debaixo do seu escritório, situado em um rutilante edifício de vidro, plantado no meio de uma velha Londres de marca industrial.

“Quando o Twitter apareceu, pensei que isso não tinha nada a ver com o jornalismo. Fui tão estúpido. Durante três meses, pensei: ‘Sou muito velho para isso’. ‘Só 140 caracteres, deu’. Eu estava completamente errado. Os meios de comunicação que tiverem uma visão muito estreita do que é o jornalismo e de como ele é feito estão condenados”.

Rusbridger dá um exemplo recente para explicar a força da revolução digital. Há duas semanas, o The New York Times publicou uma obscura matéria sobre Rupert Murdoch e escutas ilegais. Revelava que um jornalista do tabloide News of the World, de propriedade de Murdoch, havia feito grampos para obter informações e que o então diretor do jornal, Andy Coulson, hoje diretor de comunicação do novo primeiro-ministro, David Cameron, estava a par disso. “Durante 48 horas, ninguém neste país fez eco da história”, relata Rusbridger. “Nem a BBC nem a Sky News disseram alguma coisa. No entanto, no Twitter, milhares de usuários clamavam: ‘O que está acontecendo que isso não virou notícia?’. Chegou um momento em que o poder das pessoas fez com que a história se tornasse impossível de ignorar por parte da mídia. E esse é apenas um exemplo”.

Eis a entrevista.

Está claro que os meios de comunicação tradicionais estão falhando em alguma coisa, estão fazendo alguma coisa errada…

Sim. Aí está o Wikileaks, que se converteu em uma marca confiável, o site para filtrar documentos. O que aconteceu para que os jornais tradicionais tenham sido superados, do ponto de vista da confiança das pessoas, por um australiano e um grupo de hackers localizados em diferentes partes do mundo? O que eles fizeram e o que nós não fizemos?

Talvez os meios de comunicação tradicionais se misturaram muito com o poder político com o econômico, com as grandes empresas? Talvez se esqueceram do que é preciso relatar?

As pessoas gostariam que nós investigássemos essas grandes empresas, esses centros de poder, que fizéssemos reportagens das boas. Mas esse tipo de jornalismo é caro, e pensamos que não é muito sexy, e por isso deixamos de fazê-lo.

* * *

A ironia aflora. Rusbridger, de discurso límpido e clarividente, não pode ser mais britânico: acompanha o início de cada intervenção com esses pequenos gaguejos tão característicos do inglês mais polite.

Ele defende que, precisamente por esse abandono de funções da imprensa tradicional, uma Internet aberta e colaborativa é essencial: “Essa filosofia de estar aberto, publicar, relacionar, de fazer com que a informação esteja disponível, é uma ideia simples e poderosa. Como um meio de comunicação, você tem duas opções: você pode fazer parte desse mundo aberto ou dizer: ‘O que fazemos é tão valioso que vamos esconder aqui’”.

No que se refere ao seu meio de comunicação, ele é claro: “O conservador, agora, é ser radical. Pensando no futuro do The Guardian, para conservá-lo, devo ser conservador ou radical com a Internet? Vendo as possibilidades de futuro do papel, que não parecem ser muito boas, se eu quero ser conservador na questão de proteger o The Guardian, meu instinto me diz que devo ser mais radical no digital”.

Você é um firme defensor da web aberta e tem clareza de que os sites pagos não são o caminho a seguir.

É o que o meu instinto me diz. A web é uma questão de estar aberto, de vincular informação. Jornalisticamente, eu acho que é melhor fazer parte desse sistema: se você está aberto e colabora, toda a informação que existe ali fará com que você ganhe em riqueza, em poder e lhe dará recursos que você não vai conseguir por sua própria conta. Assim, acho que há um imperativo jornalístico e outro financeiro para estar aberto. Lincando a outros sites, publicando talvez materiais de outros, tornamo-nos uma plataforma de conteúdo e não só em editores do nosso. Acho que essa é uma ideia que tem muita força.

* * *

Instinto, instinto. Rusbridger pronuncia essa palavra seis vezes durante a entrevista. Foi seu instinto que o levou a apostar sem rodeios na web em 1998. Desde o início, no The Guardian, tinham clareza de que precisavam de tecnologia e de uma boa equipe de desenvolvedores. Investiram mais de 12 milhões de euros na construção de um site sob medida. Apostaram logo na interatividade, na vertente social, abraçaram os blogs.

O processo de integração entre a cultura digital dos recém-chegados e os jornalistas do papel foi paulatino, lento, medido. Esse, diz, é um dos fatores que ajudam a explicar seu sucesso: “Se você faz a integração muito depressa, você oprime as pessoas do papel. Você tem que deixar que as pessoas assimilem as coisas pouco a pouco”.

Há quatro anos, em um momento em que algumas companhias de comunicação cortavam o acesso de seus funcionários ao Facebook para evitar distrações, Rusbridger obrigou seus jornalistas a abrir uma página na rede social, a colocar fotos, vídeos. E fez o mesmo há dois anos com o Twitter. Ele diz que, dos 640 jornalistas da redação que elaboram o The Guardian, o The Observer (jornal dominical) e o site, 90% já são “jornalistas digitais”.

Como vocês vão competir com os meios da nova era, que contam com quadros de funcionários muito mais estreitos? Devemos esperar novas perdas de postos de trabalho nos jornais?

Eu não sei qual vai ser a renda, por isso não sei a resposta a essa pergunta. Neste momento, o dinheiro não está aí, mas a indústria pode mudar… Meu instinto me diz que será difícil manter o tamanho dos quadros que tivemos no passado.

De fato, aqui no The Guardian houve cortes de funcionários, e, no ano passado, 50 jornalistas abandonaram a casa. Essa é a parte mais difícil do processo?

Em dois anos, perdemos 80 pessoas, mas todos os que foram embora fizeram isso voluntariamente. Não tivemos que fazer demissões obrigatórias. É muito difícil, perdemos pessoas muito valiosas, mas todos optaram por ir embora.

* * *

O The Guardian arrecadou no ano passado 48,6 milhões de euros por meio do seu braço digital (cerca de 10% das receitas, tendo faturado 490 milhões de euros). Vendeu 120 mil aplicativos para o iPhone, programas que permitem a leitura do jornal no celular da Apple. “Estamos só há seis meses na revolução dos aplicativos”, diz. “É cedo para saber de que modo eles vão mudar o mundo”.

Rusbridger adora o iPad: “Ele oferece uma forma fantástica de consumir notícias. É um passo adiante na revolução digital, o primeiro dispositivo em dez anos que lhe obriga a voltar a imaginar como você ordena a informação, como você encontra seu caminho nele, como você o mistura com outras mídias”. O The Guardian está cozinhando em fogo baixo o seu aplicativo para o iPad. Rusbridger não quer um aplicativo “retro”, como o do The New York Times ou do Financial Times. Ele pensa que o novo dispositivo requer uma nova linguagem.

“Sou um viciado em tecnologia, é preciso ser. Eu compro tudo o que sai. Os novos leitores, os novos telefones. Até você não os provar e os sentir, não sabe como funciona a coisa”. Para explicar o momento em que nasceu seu vício pelos dispositivos eletrônicos, ele se levanta, solícito, e começa a vasculhar entre as caixas de papelão atrás da sua mesa de trabalho. Orgulhoso, extrai de seu cemitério de velhos aparelhos o seu primeiro computador, um Tandy TRS-80.

Seu fascínio pela tecnologia nasceu no dia em que essa relíquia caiu em suas mãos. Foi em 1984. Descobriu uma ferramenta que lhe permitia enviar suas crônicas com o número de palavras exato: os editores já não amputariam o fim de suas colunas, onde ele costumava alojar as suas piadas.

Tal era a sua experiência, que, em 1986, em uma viagem para cobrir a visita da família real à Austrália, conseguiu sozinho transmitir uma crônica por telefone: para isso, se pôs em contato direto com a empresa telefônica australiana, conseguiu um código e telefonou para uma pequena empresa londrinense que era a única capaz de converter esse código e redirecioná-lo a um computador da redação do The Guardian. Ele conseguiu transmitir sua crônica em dez minutos. Ditá-la por telefone, como se costumava fazer então, teria levado 90 minutos. “Devemos ser inteligentes com todas as novas plataformas que estão surgindo e encontrar a forma de adaptar o nosso jornalismo e as plataformas ao software e aos hábitos dos leitores”.

Em que ponto da revolução digital nos encontramos agora?

Ainda estamos em uma fase incrivelmente precoce. Por isso, é cedo para dizer que as operações digitais nunca vão poder sustentar o jornalismo, ou para dizer que não vemos claro o plano de negócios. Não há por que tomar decisões drásticas tão cedo.

Os diretores de jornais, na nova era digital, parecem ser menos independentes do que antes das exigências do negócio e das pressões das empresas jornalísticas. Concorda?

Sim, acho que é verdade. É porque tudo se tornou mais complicado. Não digo que antes fosse fácil, mas você sabia de onde vinha o dinheiro: publicidade e exemplares vendidos. Agora, as decisões tem a ver com a tecnologia, o jornalismo e a publicidade. São mais tridimensionais. Os diretores têm que intervir mais nessa conversa, e isso nos distrai da tarefa de editar.

E nesse sentido, combinando essa menor independência com o fato de que a tecnologia abre novas portas, você diria que hoje fazemos um jornalismo melhor do que no passado?

Sim. O The Guardian está chegando a um público infinitamente maior do que antes. O seu impacto e sua influência internacionais são muito maiores. Usando as ferramentas que estamos empregando, o que oferecemos aos leitores é mais amplo, mais profundo e responde a mais perguntas do que nunca.

De frente e de perfil

> Alan Rusbridger, diretor do The Guardian desde 1995 e editor-chefe da Guardian News & Media, 56 anos.

> Repórter, colunista, assistente de direção do The Guardian. Rusbridger passou por todos os postos. Foi correspondente em Washington do jornal London Daily News.

> Os dados. O site do The Guardian tem 35 milhões de usuários únicos. É o segundo site mais importante entre os jornais de qualidade de fala inglesa, depois do The New York Times. Um terço de seus usuários únicos estão na América do Norte. O jornal imprime 286 mil exemplares.

> Sua aposta. Está cozinhando em fogo baixo um aplicativo para o iPad. Diz que um novo suporte requer uma nova linguagem.

> Ele. É casado e tem duas filhas. Faz dez minutos de ioga por dia e toca piano e clarinete.


(Ecodebate, 16/09/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

A reportagem é de Joseba Elola, publicada no jornal El País, 12-09-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto e revisado pela IHU On-Line.

Um comentário:

  1. ...estas e outras ferramentas citadas no txt revoluncionaram e revolucionarão a comunicação, o jornalismo! Porém, é imprescindível uma reflexão sobre o conteúdo das notícias já que estão privilegiadas de instrumentos mais poderosos, ágeis e táticos!
    Por uma Comunicação para a Sustentabilidade!!! ;)

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